sábado, 13 de fevereiro de 2010

Unha roxa

-Com licença, tudo bem?
-Oi. Você...
-Eu sou a Tati, prazer. Moro naquele prédio ali do outro lado da rua. Tá vendo?
-Tô...
-Então. Eu tava em casa, na dúvida entre a água sanitária e o veneno de rato, e olhei pras minhas unhas e pensei que não posso ser velada com essas unhas descascadas, e desci pra fazer as unhas. Depois vou me matar.
-Sei. Vai pintar de que cor?
-Não sei. Que cor você acha? Roxo combina com quem vai morrer, não?
-Não sei. Qual dura mais? Afinal, estamos falando de eternidade, não?
-Menino, sabe que eu sempre quis falar de eternidade com um homem? Que bonito!
-Você é bem louca, né?
-É. -Bom, vou indo.
-Tá, mas antes, faz um favor pra mim?
-Mas eu nem te conheço...
-Eu vou me jogar no chão, você me segura?
-Oi?
-É que eu não posso morrer sem realizar o meu sonho. Me ajuda?
-O seu sonho é se jogar no meio da rua?
-O meu sonho é que um homem me segure.
-Só isso?
-Acha pouco?
-Tá, vai, se joga.
-Então... lá vai!
-Espera!
-O quê?
-Se é pra se jogar, se joga de frente! Coragem, mulher!
-Tá! Então... lá vai... ...
- Pronto! Já posso ir embora?
-Não! Deixa eu me jogar de novo?
E de novo? E de novo? E de novo? E de novo?
-Mas eu preciso mesmo ir.
-Tá.
-Ah, não faz bico. Olha, eu sou um estranho. Por que você não pede isso pra alguém que se importe com você?
-Porque é só eu pedir que eles viram estranhos, achei que se eu pedisse a um estranho, talvez ele se importasse.
-Sinto muito, querida. Tô indo nessa.
-Beleza. Vou pintar minhas unhas e depois me matar.
-Eu te ajudei um pouco, pelo menos?
-Pouco não serve pra nada, desculpa.
-Lembre-se disso quando tomar a água sanitária.
-Não sei...acho que eu vou de veneno de rato mesmo.
-Belê, tchau aí.
-Tchau. Trouxa.
-Por que, trouxa? Enquanto você esteve aqui, eu não deixei você cair!
-Eu sei, mas foi só pra pegar nos meus peitos.


Tati Bernardi

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